por
Marcos Kleber R Felix
O Corredor Centro-Leste é uma solução logística que se destaca no limitado cenário da infraestrutura ferroviária brasileira, marcado por quase um século de estagnação, senão retrocesso em termos de extensão de malha. O país passou de 30 mil km de trilhos ativos nos anos 1920 para pouco mais de 12 mil km em plena operação nos anos 2020.
Os poucos avanços ferroviários que experimentamos nos últimos 50 anos concentraram-se no escoamento de commodities. Exemplos incluem a Ferrovia do Aço, entre Minas e Rio de Janeiro, atualmente operada pela concessionária MRS; a Ferrovia de Carajás, construída pela Vale do Rio Doce (hoje simplesmente Vale), entre o Pará e o Maranhão; e a Ferrovia Vicente Vuolo, em expansão pela Rumo, no Mato Grosso.
Outros projetos, como a Ferrovia Norte-Sul, a Transnordestina e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), ainda enfrentam desafios. A Norte-Sul levou mais de 30 anos para conectar o Nordeste ao Sudeste; a Transnordestina segue avançando, mas muito lentamente pelo semiárido nordestino; e a FIOL, apesar de seu nome promissor, conecta hoje apenas uma pequeníssima região no sul da Bahia, ainda sem um porto para chamar de seu.
Uma das razões para esse atraso histórico é o monopólio político no planejamento ferroviário, algo totalmente desafiado pela recentíssima Nova Lei das Ferrovias, na qual a audaciosa proposta do Corredor Centro-Leste da PetroCity tomou fundamento.
Desde a criação da RFFSA nos anos 1950, as ferrovias brasileiras têm sido planejadas com interesses políticos, muitas vezes desconsiderando a demanda e a racionalidade logística. Mesmo projetos posteriores a RFFSA, como a Ferronorte, a Norte-Sul, a Transnordestina e a FIOL também tiveram forte influência política, priorizando interesses de lobbies específicos ou eleitorais.
Esse cenário de monopólio político mudou completamente em 2021, com o Novo Marco Ferroviário Nacional, que abriu o planejamento ferroviário à racionalidade econômica e à competição de mercado. Nesse contexto, surge o ambicioso Corredor Logístico Centro-Leste, concebido pelo Grupo PetroCity.
Resumo do Projeto do Corredor Centro-Leste
O projeto abrange 2.160 km de trilhos, agrupados a partir de 4 autorizações ferroviárias, 11 portos secos (centros logísticos industriais e aduaneiros) e um porto marítimo, integrando regiões produtivas ao litoral do Espírito Santo.
Características principais das autorizações ferroviárias integrantes do Corredor Centro-Leste:
- Primeira autorização: 431 km entre São Mateus (ES) e Ipatinga (MG), com unidades de transbordo de cargas (UTACs) em Barra de São Francisco e Governador Valadares.
- Segunda autorização: 1.188 km de Barra de São Francisco a Brasília (DF), passando por Montes Claros, Unaí e outras cidades, batizada de Estrada de Ferro Juscelino Kubitschek.
- Terceira autorização: 452 km de Brasília a Mara Rosa (GO), conectando-se à FICO (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste).
- Quarta autorização: 70 km para ligar Anápolis (GO) à EF-355.
A PetroCity já assegurou consideráveis créditos para a execução desses projetos integrados, destacando-se não só pela habilidade de captar recursos privados, mas também por obter as necessárias declarações de utilidade pública para as desapropriações de imóveis para a construção da infraestrutura ferroviária.
Entre suas parcerias notáveis, está a colaboração com investidores internacionais e nacionais para participação nos trechos ferroviários. Nesse quesito, a empresa pactuou acordos importantes, como o protocolo de intenções com o governo de Minas Gerais, sinalizando um investimento de R$ 16,8 bilhões na construção das ferrovias, somente em Minas Gerais.
Adicionalmente, a PetroCity tem primado pela verticalização de sua logística, incluindo um investimento de quase R$ 250 milhões na construção de rebocadores para o seu futuro porto de São Mateus. Este investimento sinaliza tanto eficiência quanto redução de custos ao longo da cadeia.
Esta abordagem verticalizada não só eleva a competitividade dos produtos brasileiros no cenário internacional ao permitir uma logística mais eficiente e econômica, mas também serve como um exemplo prático de desenvolvimento econômico baseado em princípios de liberdade econômica e iniciativa privada. Com isso, a PetroCity não apenas age para promover a modernização logística do Brasil, mas também reforça a importância da autonomia empresarial na criação de infraestruturas que respondem diretamente às demandas do mercado.
Benefícios Econômicos e Melhorias Logísticas Potenciais do Corredor Centro-Leste
O projeto poderá impulsionar o transporte de grãos, minérios e outros produtos, além de migrar cargas rodoviárias para as ferrovias e a cabotagem. Estimado em um investimento de R$ 23 bilhões, somente na ferrovia, que, segundo a empresa, tem taxa interna de retorno (TIR) de 14%, payback de 12 anos, o Corredor Centro-Leste tem um potencial significativo de geração de milhares de empregos.
Com a implantação da FICO e do Corredor Centro-Leste, Mara Rosa (GO) se tornará um importante entroncamento ferroviário, praticamente equidistante dos principais portos dos Arcos Norte, Sul e Leste, fomentando a competitividade entre os portos de Itaqui (MA), Santos (SP) e São Mateus (ES), com possível conexão até o Porto do Açu (RJ), pela EF-118.
Essa posição estratégica torna Mara Rosa um ponto central para avaliar a eficiência logística de diferentes rotas ferroviárias e marítimas rumo a destinos internacionais, especialmente Europa e China.
Para entendermos o impacto do Corredor Centro-Leste, fizemos uma simulação. Baseamo-nos nas velocidades comerciais ferroviárias e marítimas de 30km/h e 10 nós (ou 18,52km/h), respectivamente.
Análise da Simulação da Rota para Europa via Roterdã
Roterdã, um dos maiores portos da Europa e porta de entrada para o mercado europeu, é atendido pelos três corredores logísticos analisados: via São Luís, São Mateus e Santos. A tabela abaixo resume as principais variáveis para cada rota:
Origem | Via Porto | Distância Ferroviária (km) | Tempo Ferroviário (h) | Distância Marítima (km) | Tempo Marítimo (h) | Distância Total (km) | Tempo Mínimo Total (h) |
Mara Rosa | São Luís | 1.738 | 58 | 7.608 | 411 | 9.346 | 469 |
Mara Rosa | São Mateus | 1.812 | 60 | 9.012 | 487 | 10.824 | 547 |
Mara Rosa | Santos | 1.725 | 58 | 10.056 | 543 | 11.781 | 601 |
Quando o destino é a Europa, o corredor centro-leste se coloca entre uma posição intermediária entre Itaqui e Santos, com a vantagem de não sofrer com os notórios congestionamentos ferroviários desses dois portos. Enquanto Itaqui tem uma limitação de oferta devido ao extensivo uso ferroviário oriundo dos trens de minério de Carajás, Santos tem um problema de congestionamento com os grãos vindos do Mato Grosso e demais cargas de VLI e MRS.
Ainda que a rota via São Luís seja a mais eficiente em termos de distância e tempo total, combinando um trajeto ferroviário curto com uma conexão marítima direta à Europa, a rota via São Mateus apresenta uma alternativa competitiva, especialmente por evitar congestionamentos relacionados ao escoamento de minério de ferro em Carajás.
A rota via Santos, embora funcional, é a menos vantajosa devido à maior distância total e ao tempo de transporte, agravado por possíveis congestionamentos no Porto de Santos.
Análise da Simulação de Rota para China via Xangai
Xangai, epicentro do comércio asiático, também é acessível pelos três corredores logísticos. A tabela abaixo apresenta os dados de análise:
Origem | Via Porto | Distância Ferroviária (km) | Tempo Ferroviário (h) | Distância Marítima (km) | Tempo Marítimo (h) | Distância Total (km) | Tempo Mínimo Total (h) |
Mara Rosa | São Luís | 1.738 | 58 | 20.533 | 1.109 | 22.271 | 1.167 |
Mara Rosa | São Mateus | 1.812 | 60 | 20.107 | 1.086 | 21.919 | 1.146 |
Mara Rosa | Santos | 1.725 | 58 | 20.476 | 1.106 | 22.201 | 1.164 |
Quando o destino está além do Cabo da Boa Esperança, o Corredor Centro-Leste se coloca em uma posição de destaque. A rota via São Mateus é a mais eficiente para o transporte asiático e ocidental da África, graças a uma distância marítima ligeiramente menor e à ausência de custos adicionais, como pedágios no Canal do Panamá.
A rota via São Luís é quase tão eficiente quanto São Mateus, para a China, via o Canal do Panamá. Todavia, essa solução enfrenta o desafio de congestionamentos ferroviários em Carajás e aquaviário no próprio Canal do Panamá, que há tempos vem sofrendo com a redução da capacidade hídrica do canal. Ambas as contingências podem impactar a competitividade do arco norte em direção à Ásia e América ocidental.
A rota via Santos oferece desempenho semelhante a São Luís, mas o congestionamento ferroviário e portuário em Santos a tornam menos vantajosa, potencialmente, que o Corredor Centro-Leste.
Interpretação e Implicações das Simulações Logísticas
O Corredor Centro-Leste, se implantado, pode redefinir o mapa logístico do Brasil. Sua integração com as regiões produtoras do Centro-Oeste, Minas Gerais e Espírito Santo, somada à conexão com portos competitivos, capixabas e fluminenses, via outra importante ferrovia, a EF-118, apresenta vantagens distintas para diferentes mercados.
Embora, não seja tão eficiente para Roterdã (Europa), quanto a rota via São Luís, quando as cargas são oriundas da FICO, a rota via São Mateus desponta como uma alternativa promissora para Mato Grosso graças à sua independência do tráfego de minério de ferro.
Já para todos os destinos ao leste do Cabo da Boa Esperança, Xangai (China) inclusive, a rota via São Mateus, teoricamente, oferece o melhor desempenho geral, equilibrando eficiência logística e redução de custos, tanto para cargas próximas, quanto para cargas da FICO.
Com uma infraestrutura planejada para atender demandas do mercado, o projeto oferece não apenas soluções para o escoamento de commodities, mas também incentiva a migração de cargas rodoviárias para alternativas ferroviárias mais sustentáveis e econômicas, no mercado interno, via ferrovia e cabotagem.
Além disso, a implantação dos 11 portos secos e a integração com outras malhas ferroviárias existentes fortalecerão a capacidade de exportação do Brasil, aumentando a competitividade de produtos nacionais nos mercados internacionais.
O Corredor Centro-Leste não é apenas uma nova rota ferroviária: é um catalisador para o crescimento econômico regional e nacional, fomentando o desenvolvimento sustentável e a inserção do Brasil em cadeias globais de valor com maior eficiência.
Com o avanço deste projeto, o Brasil se posiciona para alcançar novos patamares de competitividade logística, estabelecendo um marco histórico na modernização de sua infraestrutura ferroviária, a partir de um olhar de demanda, logística e mercado.
Além do crescimento regional, o Corredor Centro-Leste posiciona o Brasil de forma mais competitiva no mercado global. A infraestrutura ferroviária moderna e eficiente permite que produtos brasileiros cheguem mais rapidamente e a um custo menor aos mercados internacionais, como Europa, África e Ásia, através de portos estratégicos.
Este aumento na competitividade logística pode atrair mais investimentos estrangeiros diretos e fortalecer a posição do Brasil nas cadeias globais de valor, um ponto que Milton Friedman poderia aplaudir, dado seu apoio a políticas que promovem o comércio livre e a eficiência do mercado.
Ademais, a introdução do Corredor Centro-Leste gera uma quase equidistância entre os portos de São Luís, São Mateus e Santos, para as cargas oriundas da FICO. Isso cria um cenário competitivo interessante para a eficiência tanto portuária quanto ferroviária.
Com as distâncias internas praticamente equivalentes, a competição entre esses portos para atrair embarcadores se intensifica, promovendo um incentivo significativo para pequenas, mas críticas, melhorias operacionais. Isso inclui o aumento da velocidade média dos trens e a otimização dos processos portuários.
Portos e empresas ferroviárias serão motivados a investir em tecnologias e práticas que reduzam tempos de espera, aumentem a capacidade de manuseio de cargas e minimizem os custos logísticos, tudo isso para se destacar nesta competição por eficiência e acessibilidade, atraindo mais embarcadores e consolidando sua posição no mercado de exportação e importação para cargas do Centro-Oeste.
A descentralização econômica que o projeto promete é um passo crucial para uma economia mais dinâmica e resiliente no Brasil. Ao permitir que empresas privadas tomem a dianteira no desenvolvimento de infraestrutura, o Corredor Centro-Leste demonstra como a inovação e a eficiência podem surgir em um ambiente de mercado livre, onde as decisões são baseadas na demanda e não em políticas centralizadoras.
Se concretizado, esse modelo pode servir de exemplo para futuros projetos, mostrando que a combinação de desregulamentação com iniciativa privada pode transformar não apenas a logística, mas também o tecido econômico e social do país.