As autorizações ferroviárias são a melhor política pública ferroviária do Brasil em 100 anos.

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por

Marcos Kleber Ribeiro Felix

As autorizações ferroviárias, implementadas no Brasil pela Medida Provisória nº 1.065, de 2021, e ratificadas pela Lei nº 14.273, também de 2021, durante a administração Bolsonaro, são a política pública ferroviária mais bem-sucedida que o país já implementou nos últimos 100 anos.

Este artigo busca explorar e analisar os fatores que contribuíram para essa avaliação. Por meio de uma análise comparativa, vamos apresentar as estratégias adotadas, os desafios superados e as lições aprendidas ao longo dos últimos anos para desenvolver o setor ferroviário brasileiro.

Este texto não apenas celebra o sucesso alcançado, mas também visa fornecer insights valiosos que podem orientar futuras políticas públicas em infraestrutura ferroviária.

A Recente Evolução da Política Ferroviária no Brasil

Para demonstrar o êxito da legislação de autorizações ferroviárias no Brasil, vamos apresentar alguns fatos comparativos em relação ao Governo Dilma, que foi o mais proeminente na tentativa de implantar ferrovias públicas no país nos últimos anos, através do Plano de Investimento em Logística (PIL), só perdendo em ousadia para Médici, que nos anos 1970 lançou o Plano Nacional de Viação (PNV), que pretendia a construção de cerca de 30 mil km de novas ferrovias.

O PNV de Médici não teve êxito. Desde a sua edição a malha ferroviária brasileira em vez de crescer, vem regredindo. Saímos de 30,5 mil km de trilhos instalados em 1973 para cerca de 20 mil km de trilhos instalados ativos em 2021. O PIL de Dilma não foi diferente.

Durante o governo da presidente Dilma, foram propostos 10 novos projetos ferroviários por meio de concessões públicas, comuns ou patrocinadas, totalizando 14.365 km de novas linhas ferroviárias, conforme a seguinte tabela:

Ferrovia Pontos de Passagem Extensão (km)
EF–354 (RJ, MG, DF, GO) Porto do Açu – Campos – Ipatinga – Conceição do Mato Dentro – Corinto – Brasília – Uruaçu 1.602
EF entre Salvador e Recife Salvador – Aracaju – Maceió – Recife. 882
EF–103/118 (ES, RJ) Rio de Janeiro – Porto do Açu – Porto Central – Vitória. 572
EF entre Belo Horizonte e Salvador Belo Horizonte e Salvador 1.540
EF entre Maracaju e Mafra Maracaju – Cascavel – Mafra 1.104
EF entre São Paulo e Rio Grande São Paulo – Mafra – Rio Grande 1.700
EF–151 PA, MA, TO, GO Barcarena/PA – Açailândia/MA e Palmas/TO – Anápolis/GO 1.430
EF–151 GO, MG, SP & EF–267 SP, MS Anápolis – Estrela D’Oeste – Três Lagoas 895
EF-170 Ferrogrão MT, PA Itaiatuba – Lucas do Rio Verde 1.140
EF–354 GO, MT, RO, AC Fronteira Brasil – Peru – entrocamento EF–151 3.500
14.365

 

PIL: um plano sem interessados no mercado

Nenhum desses projetos do PIL de Dilma foi levado adiante em parcerias com a iniciativa privada por uma série de razões, sendo a escassez fiscal a principal delas.

O custo total do PIL, somente em ferrovias, seria de R$ 164,68 bilhões a preços de 2012, considerando que o custo estimado por km de ferrovia àquela época era de R$ 11,45 milhões por quilômetro. Simplesmente a conta não cabia no orçamento público.

Em 2012, o Ministério dos Transportes havia executado para todos os modos de transportes sob sua responsabilidade exatos R$ 15,9 bilhões. Desses, apenas R$ 1,08 bilhão havia sido em ferrovias. Se considerarmos razoável que se demorassem 20 anos para completar a construção dos novos 14 mil km de novas ferrovias, seria preciso octuplicar o orçamento público das ferrovias federais.

Simplesmente não era crível que o Estado fosse capaz de investir oito vezes mais do que vinha investindo pelos próximos 20 anos. O mercado não acreditou nisso.

O mercado brasileiro rejeitou veementemente o PIL ferrovias. Além do elevadíssimo risco fiscal de inadimplemento pelo Governo, o modelo ainda trazia riscos implícitos no modelo de separação da gestão dos trilhos da operação dos trens.

O Plano de Renovação Antecipada dos Contratos

O chamado modelo open access de Dilma foi revogado por Temer logo que assumiu, propondo uma nova estratégia: a renovação antecipada de contratos das concessões ferroviárias existentes.

Essa política pública previa que os contratos de concessão ferroviária fixados em meados dos anos 1990 seriam renovados antecipadamente em troca de investimentos compulsórios em malhas de interesse da União.

Por essa política pública seria possível: duplicar a principal ferrovia de acesso dos grãos do Centro-Oeste brasileiro ao porto de Santos, construir uma nova ferrovia ligando a EF-151 em Mara Rosa no Goiás à Água Boa no Mato Grosso; revitalizar as linhas de bitola larga que conectam São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro; e investir em trilhos para a continuação da Ferrovia de Integração Oeste Leste (FIOL), que pretende ligar o sul da Bahia ao Tocantins.

No total, a política de renovação antecipada previa a possibilidade de injetar pelo menos R$ 47 bilhões em investimentos ferroviários em um intervalo de 30 anos, pelas empresas concessionárias, sem que fosse preciso retirar um único centavo do Tesouro.

Embora a Política Ferroviária de Temer tivesse trazido grandes avanços, muito mais ainda precisaria ser feito para que toda a demanda ferroviária brasileira reprimida pudesse ser atingida.

PIL versus o Novo Modelo de Autorizações Ferroviárias

Durante o governo Bolsonaro, a legislação de abertura do mercado ferroviário foi introduzida, permitindo autorizações de ferrovias como atividades econômicas de mercado. Isso complementou o modelo existente que interpretava as ferrovias como concessões de serviços públicos de titularidade da União.

Diferentemente do PIL, o mercado acolheu com entusiasmo o novo modelo de autorização para ferrovias. O Ministério da Infraestrutura recebeu 78 pedidos de novos projetos, dos quais 21 foram contratados em 2021.

Outros 25 foram contratados entre 2022 e 2023. No entanto, os vetos que Bolsonaro levantou aos dispositivos mais burocráticos trazidos na Lei nº 14.273, de 2021, foram derrubados pelo Congresso no ano passado, interrompendo na prática todos os processos de deferimento de novas autorizações.

O regime de autorizações ferroviárias é melhor para o mercado, porque é mais simples e menos burocrático, permitindo maior flexibilidade e agilidade na implantação de novos ramais e trechos ferroviários. Além disso, garante melhor acesso ao mercado financeiro, tanto brasileiro quanto internacional, atraindo novos investimentos para o setor ferroviário.

Desde a implementação do instituto de outorga por autorização ferroviária, ocorreram 106 requerimentos, oriundos de 52 diferentes entes privados. Desse total, excluindo-se os casos de indeferimento ou arquivamento de requerimento, bem como de extinção de contrato, há 71 pedidos em vigor, dos quais 46 contratos de autorização ferroviária foram celebrados e estão vigentes.

A projeção de recursos privados a serem alocados na implantação dos empreendimentos já outorgados soma aproximadamente R$ 225 bilhões, e são previstos 12 mil km de novas ferrovias, mas tudo isso pode ser desperdiçado por um Governo, que não é o maior fã das liberdades empresariais.

As autorizações ferroviárias ofereceram uma flexibilidade regulatória que permite ajustes rápidos às mudanças do mercado e às necessidades dos investidores. Isso é crucial para manter o setor ferroviário competitivo e adaptável.

Além disso, o regime de autorizações incentiva a inovação ao permitir que diferentes entidades privadas explorem novas tecnologias e métodos de construção e gestão ferroviária.

Como se tudo isso não fosse suficiente, a Lei das Autorizações foi a primeira a trazer mecanismos de incentivos concretos ao transporte ferroviário de passageiros. Há tempos esquecido no Brasil.

Evidências Internacionais e Históricas de que as Autorizações Ferroviárias são Viáveis

Quem considera os números das Autorizações Ferroviárias inflados, esquece que até 1900 havia cerca de 82 ferrovias diferentes no Brasil, geridas por cerca de 45 empresas independentes, responsáveis pela construção de 15.316 km. Reviver esse boom ferroviário não só é possível, como já foi feito pelo Brasil de forma tímida no século XIX.

De forma tímida, porque na mesma época, os EUA, por terem um regime regulatório mais atraente que o brasileiro, implantaram impressionantes 311.159 km de trilhos por mais de um milhar de empresas privadas diferentes.

Os céticos podem pensar que isso só era possível no século XIX e que atualmente as ferrovias não são mais tão relevantes. No entanto, esses estão esquecendo das lições da China, que em meados de 1960 tinha exatamente os mesmos 35 mil km de trilhos instalados que o Brasil possuía, mas o que é pior, era um país mais pobre que o Brasil.

Em grande medida devido aos investimentos em industrialização e infraestruturas de transporte, hoje a China tem 159 mil km de trilhos ativos instalados e é a 2ª maior economia do mundo, enquanto o Brasil regrediu para cerca de 20 mil km de trilhos ativos instalados e é a 8ª economia mundial.

O Futuro das Ferrovias no Brasil

Embora as evidências empíricas demonstrem que Autorizações Ferroviárias sejam a melhor alternativa para colocar o país nos trilhos, sem o apoio do Governo Federal, essa política pública corre sério risco de hibernar e só ressurgir quando houver uma mudança de postura governamental.

Insistir no orçamento fiscal como Médici e Dilma fizeram deverá resultar nos mesmos resultados, as lições da história estão aí para serem aprendidas, não esquecidas. Sem pragmatismo econômico, o resultado tende a ser o mesmo de antes.

O Brasil só retomará o caminho do desenvolvimento quando priorizar e respeitar os seguintes quatro pilares fundamentais: a liberdade de mercado, garantindo a competitividade e a inovação; a segurança jurídica para as empresas, proporcionando um ambiente de negócios estável e previsível; o reconhecimento das ferrovias como a solução ambiental ideal, destacando seu papel na sustentabilidade; e a consideração da demanda como o fator principal na seleção de prioridades, garantindo que as necessidades reais sejam atendidas.

A integração desses quatro pilares, hoje esquecidos ou subestimados, é essencial para impulsionar a economia e promover um crescimento sustentável, além de fortalecer a infraestrutura e a competitividade do país no cenário global. Sem isso, continuaremos com belos Planos Ferroviários Nacionais que não saem do papel.

Nota:

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Referências:

Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. (2024). Autorizações Ferroviárias. ANTT

Brasil. (2016). Decreto nº 8.875, de 11 de outubro de 2016. Presidência da República.

Brasil. (2021a) Medida Provisória nº 1.065, de 30 de agosto de 2021. Diário Oficial da União.

Brasil. (2021b) Lei nº 14.273, de 24 de dezembro de 2021. Diário Oficial da União.

Dalto, E. J., Castro, N. T. de S., & Passos, P. (2023). SHORTLINES: O desafio de implantá-las no Brasil. BNDES Set., Rio de Janeiro, v. 29, n. 57, p. 5-71.

Felix, M. K. R. (2018). Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil , Publicação T.DM – 001/2018, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, DF.

Felix, M.K.R. (2024) China versus EUA: uma Comparação Ferroviária. Ousebem.

Quintella, M. (2022). Autorizações ferroviárias: Um avanço para o desenvolvimento do país. Agência iNFRA.

Revista OE (2012). Orçamento em transportes foi R$ 15,9 bilhões, em 2012. Revista OE.