Pré-lançamento

Meu livro Por que o Brasil investe pouco em ferrovias, metrôs e outros trens?: Mitos, Enganos, Inseguranças, Falhas e Outros Entraves Brasileiros é a primeira parte de um estudo mais amplo, que busca entender por que o Brasil tem uma infraestrutura ferroviária insuficiente para as suas necessidades econômicas e sociais. O estudo é inspirado nas obras de Marcos Mendes, ‘Por que o Brasil cresce pouco?: desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro’, de 2014, e de Clodomiro Pereira da Silva, ‘Política e Legislação de Estradas de Ferro, de 1904’.

O livro de Marcos Mendes mostra que o baixo crescimento do Brasil está relacionado a questões de ciência política, como o viés do Congresso Nacional e do Executivo em atender os interesses de grupos organizados, em detrimento do bem-estar coletivo. Essa lógica também se aplica ao setor ferroviário, que sofre com a falta de planejamento, investimento e regulação adequados.

O livro de Clodomiro da Silva é uma obra impressionante e assustadora. Impressionante, porque é um estudo profundo e detalhado sobre a política e a legislação ferroviária, não só do Brasil, mas dos países mais avançados do século XIX, em termos de ferrovias, como EUA, Inglaterra, Alemanha e França, escrito em uma época sem as facilidades da tecnologia moderna. Assustadora, porque revela que as melhores práticas e políticas públicas ferroviárias foram ignoradas, esquecidas ou desconhecidas pelos principais tomadores de decisão no setor ferroviário brasileiro.

Este modesto ebook não pretende superar essas obras. Meu propósito aqui é compartilhar um pouco das impressões pessoais de quem acompanha há mais de 10 anos as políticas públicas ferroviárias, e tem testemunhado os impactos de enganos e mitos, antigos e recentes, comuns e peculiares, que têm prejudicado o desenvolvimento do setor ferroviário brasileiro, desde o Império até os tempos atuais.

Um observador estrangeiro que fosse convidado a adivinhar qual a posição do Brasil em termos de qualidade da sua infraestrutura ferroviária no contexto global das nações, sabendo que o país é a 9ª maior economia do mundo em Produto Interno Bruto (PIB)[1], é o 5º maior país em território, tem a 7ª maior população[2], é o 4º maior produtor de grãos[3],[4],[5], é o 2º maior produtor de minério de ferro[6],[7], provavelmente iria superestimar não apenas a qualidade das ferrovias brasileiras, mas também a extensão, a densidade, a capilaridade, a participação modal na matriz de transportes, e até mesmo o número de empresas ferroviárias, principalmente se comparasse com países de dimensões geográficas semelhantes às nossas, como Austrália, Canadá, China, EUA, Índia, Rússia.

No entanto, a realidade é bem diferente. De acordo com o Ministério dos Transportes, o Brasil possui atualmente cerca de 30,2 mil quilômetros de extensão de vias férreas, sendo que apenas 2.450 km são eletrificados. Desses 30 mil km de trilhos, apenas um terço são plenamente utilizados, os dois terços restantes ou são subutilizados ou estão totalmente abandonados há vários anos. Extensão muito distante e inferior ao Canadá (46 mil km), China (146 mil km), Índia (68 mil km), Rússia (86 mil km) e Estados Unidos (250 mil km).

A malha ferroviária brasileira é considerada pequena em relação ao tamanho do território e das necessidades de transporte em nosso país[8], com uma densidade de 0,03 km/km2, muito inferior à China (0,15 km/km2), à Índia (0,20 km/km2) e aos Estados Unidos (0,23 km/km2). Além disso, as ferrovias apresentam-se mal distribuídas e mal situadas, estando 52% localizadas na Região Sudeste[9].

O Brasil tem uma participação modal do transporte ferroviário de 15% para cargas e menos de 1% para passageiros, o que é menor do que a Austrália (49% e 5%, respectivamente), o Canadá (46% e 2%), a China (50% e 8%), a Índia (36% e 8%), a Rússia (45% e 10%) e os Estados Unidos (40% e 2%).

Desde que foi lançado o acompanhamento do Fórum Econômico Mundial, em 1997, o Brasil nunca superou a 85ª posição global, obtida por último em 2020, muito distante de seus pares econômicos que orbitam em torno de posições muito mais elevadas, Austrália (11º), o Canadá (12º), a China (7º), a Índia (28º), a Rússia (36º) e os Estados Unidos (16º)[10].

Por fim, não esqueçamos os investimentos ou a falta deles, razão de ser deste livro. Segundo o International Rail Journal (2018), o Brasil investia em meados da década passada 2,4 bilhões de dólares em projetos ferroviários, o que era menos do que a Austrália ($ 9,8 bilhões), o Canadá ($ 14 bilhões), a China ($ 125 bilhões), a Índia ($ 23 bilhões), a Rússia ($ 8,6 bilhões) e os Estados Unidos ($ 80 bilhões), todos na mesma época.

Por que um país que é referência internacional na produção de grãos e minérios – cargas típicas do setor ferroviário, cuja produção está concentrada no interior, longe dos portos de exportação – e que tem uma grande massa de consumidores distribuídos por milhares de quilômetros do seu território – novamente em benefício do transporte ferroviário de longo curso -, portanto, com alta vocação para o uso de trilhos em sua logística e mobilidade, não tem ferrovias suficientes, em quantidade e qualidade proporcionais às dimensões de sua geografia? Essa é a principal questão que eu convido os leitores a descobrirem junto comigo neste ebook.

Formatado a partir de meus escritos acadêmicos e profissionais, essa obra busca descortinar, quase que com uma ousadia psicanalítica, as razões dos enganos e autossabotagens da civilização brasileira. Esses enganos têm impedido o Brasil, desde a origem do negócio ferroviário criado nos anos 1820, de ter uma infraestrutura ferroviária compatível com as necessidades do País.

A Nação fez, mais de uma vez, interpretações equivocadas de como deveriam ser suas ferrovias. Escolheu soluções equivocadas, às vezes, por rejeitar as evidências internacionais mais consagradas, como no caso da bitola dos trilhos. Outras vezes, tentou acolher domesticamente soluções estrangeiras totalmente divergentes das condições brasileiras, como no caso da tentativa abortada de separação da gestão da manutenção dos trilhos da operação dos trens. Parte desses autoenganos teve um forte fundo ideológico, não pragmático, muito menos baseado em evidências empíricas.

Ademais, é importante ressaltar que a infraestrutura ferroviária não é apenas uma questão de transporte, mas também de desenvolvimento econômico e social. As ferrovias têm o potencial de impulsionar o crescimento econômico, criar empregos e fortalecer a integração regional. No entanto, para que isso aconteça, é necessário um entendimento claro e preciso de como as ferrovias funcionam e de como elas podem ser melhoradas.

No contexto brasileiro, isso significa reconhecer e aprender com nossos erros passados. Significa também estar aberto a novas ideias e abordagens, mesmo que elas venham de fora. Afinal, as melhores práticas internacionais podem oferecer insights valiosos para a melhoria de nossa própria infraestrutura ferroviária.

Portanto, ao longo deste livro, espero não apenas destacar os erros que cometemos, mas também sugerir maneiras de superá-los. Juntos, podemos trabalhar para construir um sistema ferroviário que atenda às necessidades do Brasil e contribua para o nosso futuro coletivo.

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[1] Georank.org. (2023). Brazil Economy Ranking: by GDP and 60 other indicators

[2] StatisticsTimes.com. (2021). Brazil population 2021.

[3] Embrapa. (2023). Brazil is the world’s fourth largest grain producer and top beef exporter, study shows.

[4] Statista. (2024). Grain production volume in Brazil 2022.

[5] World Grain. (2023). Focus on Brazil

[6] Mining Technology. (2023) Iron ore production in Brazil and major projects.

[7] World Population Review. (2024). Iron Ore Production by Country 2024

[8] BRASIL. Ministério dos Transportes. Ferrovias Brasileiras. Acesso em: 11 fev. 2024

[9] BRASIL. Ministério dos Transportes. Transporte Ferroviário. Acesso em: 11 fev. 2024

[10] Forum econômico Mundial